março 23, 2011

É difícil explicar, mas, quando alguém tinha ficado tão isolado quanto eu nesses últimos meses, se abrir à alguém me parecia tão fora do lugar quanto se despir na igreja.

março 17, 2011

extremos da paixão

Não, meu bem, não adianta bancar o distante lá vem o amor nos dilacerar de novo...

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim : a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a) - mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é : NEVER.

Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981 : "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.

No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira : compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.

Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, se esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele : transformara-se em símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele : ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.

Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama : eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.

Ai que dor : que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor, caro(a) colega, esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.

Cfa

março 08, 2011

Curto demais a mitologia grega, queria postar isso aqui.

A associação entre amor platônico e ascese fez com que o senso comum o reduzisse a amor que despreza o corpo. Há, entretanto, elementos presentes na obra de Platão que nos permite descobrir as riquezas do conceito de amor platônico. Um desses elementos pode ser extraído do mito relatado por um dos convivas do Banquete: Aristófanes. Segundo ele, em tempos imemoriais, a terra era habitada por seres esféricos com duas cabeças opostas e exatamente iguais, quatro braços, quatro pernas e duas genitálias. Uns com ambas as genitálias masculinas, outros com duas femininas e alguns com uma feminina e outra masculina. Havia então três gêneros de seres esféricos: o masculino, o feminino e o andrógino. Mutiplicavam-se como sementes, ou seja, enterravam-se no chão e daí brotavam outros seres tal como ocorre com as plantas, não empregando, portanto, suas genitálias para fins reprodutivos.

Por serem tão confiantes em sua força e coragem, essas criaturas decidiram invadir o Olimpo, a morada dos deuses. Irado com tal insolência, Zeus ordenou a Apolo que as castigasse, cortando-as ao meio a fim de se enfraquecerem, tranformando-os em humanóides. Cada ser passou então a ter uma cabeça, dois braços, duas pernas e uma genitália. Como as costas ficaram com carnes expostas em decorrência do corte, Zeus ordenou que Apolo pegasse as bordas da ferida e as esticasse, deixando apenas uma pequena abertura, o umbigo. Feito isso, Apolo girou para trás os braços, as pernas e a cabeça desses novos seres, de forma que eles, ao olharem para o próprio umbigo, lembrassem do castigo divino. A genitália, todavia, ficou esquecida na parte de trás.

Espalhadas pelo mundo, as metades perderam a vontade de viver: não mais comiam, nem bebiam e nem sequer "enterravam-se" para perpetuar a espécie. De tão deprimidas que ficaram, vagavam a esmo à procura de suas respectivas metades e, se ocorria de metades-irmãs se olharem, estas reconheciam-se de imediato e abraçavam-se intensamente uma a outra como se quisessem unir-se outra vez. E assim ficavam por tanto tempo que morriam. E a espécie foi desaparecendo.

Preocupado com a possível extinção da espécie, Zeus ordenou a Apolo que transpusesse as genitálias das metades para a frente, logo abaixo do umbigo, a fim de que, uma vez abraçadas, elas se unissem sexualmente. Ordenou, ainda, que a reprodução passasse a ocorrer pela cópula. É claro que apenas os seres esféricos andróginos foram "beneficiados" pela nova ordem de Zeus.

Esse mito transmite-nos uma série de pistas sobre o entendimento que Platão tinha sobre o amor. Temos aí um parecer sobre a natureza da homossexualidade, sobre a função do amor como remédio contra a violência, etc. Porém, o maior ensinamento está na idéia de amor complementar: Cada pessoa é uma metade que busca na outra o seu complemento, a sua alma gêmea, o côncavo e o convexo, a outra banda da maçã. O outro é responsável direto pela felicidade do eu. No amor complementar ama-se porque não se tem. O amor é um desejo de suprir uma imperfeição intrínseca ao eu. O amor complementar é a busca da perfeição, logo o amante é, por definição, um ser imperfeito: amo-te porque preciso de ti.

março 07, 2011

a nossa liberdade é o que nos prende

Hoje eu não duvido mais do seu amor. Aliás, acho que eu nunca duvidei dele, que sempre foi algo verdadeiro ; nunca te vi mentindo pra mim. Ok, no começo houveram algumas mentiras, mas elas foram necessárias pra gente aprender, e com certeza, nós aprendemos muito com tudo isso.

Quando eu ouvi a sua voz no telefone, milhares de lembranças vieram na minha cabeça. E a gente rememorou acada uma delas naquela conversa que a gente não queria que terminasse nunca. Rindo de cada besteira e até brigando por um não lembrar de tal data ou de tal detalhe. A sua risada, doce, agradável e natural, continua sendo música pros meus ouvidos, e o seu jeito de falar ainda me encanta.

Apesar de tantos anos terem passado, nós dois ainda temos a mesma esperança de que um dia a gente vai reviver tudo. Talvez nem reviver, fazer acontecer o que na época não pode acontecer. A gente aprendeu muito durante todo esse tempo, a gente conheceu mais um do outro, a gente aprendeu a viver com os erros e defeitos, compreendê-los. Convenhamos, nós dois não somos lá pessoas tão fáceis de lidar assim.

Você me conhece, me conhece como ninguém. Você conhece aqueles meus detalhes ocultos, você lê entre as minhas entrelinhas, você sabe que elas falam mais do que qualquer palavra. Você ri das minhas piadas sem graça e diz o quanto eu sou ruim pra contar piadas, mas que você gosta de mim mesmo assim . Você conhece algumas das minhas reações, mas ainda diz que eu sou uma caixinha de surpresas, que eu nunca vou reagir da mesma forma, e que é uma das coisas que ainda te faz ser preso à mim.

Eu te conheço. Eu sei quando você mente, eu entendo as suas ironias e eu sou uma das poucas que ri das suas piadas e trocadilhos babacas e bestas. Eu sei que o seu esporte favorito é me provocar e me cutucar até eu perder a cabeça. Você me faz sentir ouvida, entendida, besta e querida. Eu sei que você aprendeu a me dar a dose certa de mel, e a dose certa de sal, e é uma das coisas que ainda me faz ser presa à você.

Sabe aquela coisa de sentir que ainda vai acontecer ? De sentir que é preciso viver, mas que também nossos caminhos ainda vão se cruzar ? E a gente sabe muito bem disso. Como você já disse, mesmo se a gente se gosta, um de um lado e o outro do outro lado do mundo, não tem essa de ficar se prendendo, a gente tem que curtir.

Alguma coisa me diz que você é a pessoa certa, mas que eu ainda tenho muito tempo pra me apaixonar, me iludir e desiludir, pra viver. Mas nada é certo. Talvez eu encontre um outro alguém, talvez você também. Talvez nós dois estejamos errados, e as temporadas dessa nossa história que parece série de televisão (juro que se eu escrever tudo o que aconteceu dá até script pra Malhação) não aconteçam.

Enfim, nada é certo nessa vida. Mas de tudo que aconteceu, eu só guardo lembranças doces de você: do beijo na escada rolante pra todo mundo ver até o beijo escondido na escada do prédio ; do carinho e cafuné na cabeça até os tapas de brincadeira ; das brigas e palavras, ditas tão precipitadamente que machucaram mesmo não sendo verdadeiras, até as lágrimas e desculpas. Pois é, tanta coisa né ? A gente tem uma história. Ela com certeza não é a história perfeita, talvez nem a mais bonita, a mais agradável ou a mais interessante ; mas com certeza a mais importante, pra mim e pra você, já que ela fala de nós dois. será, ainda não acabou.